Entre linhas e agulhas: a vontade de trabalhar com moda
- Bárbara Bento
- 7 de out. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 13 de out. de 2021
A modelista Graciete Santos desistiu de carreira na área de Engenharia Agrícola, para realizar sonho de empreender na moda autoral

Criada entre linhas e agulhas, a paulistana Graciete dos Santos, 38, aprendeu a costurar de forma autodidata, ainda criança, e sempre quis trabalhar com moda. “Tive muito contato com a costura e curiosidade de aprender. Mas minha mãe não queria que eu costurasse, ela tinha medo de que eu furasse o dedo ou quebrasse a máquina. Então, eu aprendi observando e tentando fazer igual escondido”, relembra.
Apesar das habilidades, a vontade de trabalhar com moda precisou ficar em segundo plano, já que os pais de Graciete não tinham condições de apoiar a filha, financiando um curso de moda. Na época, as universidades públicas não ofereciam cursos nessa área. “Era tudo privado”, conta Graciete.
Como cursar moda não era uma possibilidade, a paulistana seguiu caminhos que a levaram a se interessar por conhecimentos de química e área ambiental. Mesmo com interesse maior em química, ela prestou vestibular, em 2003, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para Saneamento Ambiental, pois era a opção mais fácil de passar “de primeira”. A pressa tinha nome: Heitor.
Graciete não podia esperar para entrar na Universidade no próximo ano porque estava grávida de seu primeiro filho. “Eu sabia que era a única oportunidade de entrar na faculdade. Se eu não entrasse naquele ano, eu não entraria mais, porque estaria com uma criança pequena e ia ser tudo mais difícil”, avalia. Graciete ingressou no curso de Saneamento Ambiental em 2004 e em 2006 mudou para Engenharia Agrícola.
Durante a graduação, a costureira engravidou novamente e deu à luz a sua filha Áurea. Após se formar, em 2012, ela deu continuidade à vida acadêmica, optando por fazer um mestrado no ano seguinte. Mas uma crise existencial causada “pelo abandono do sonho de trabalhar com moda” foi o sentimento que a modelista teve durante a especialização.
“Eu não estava gostando mais do que eu estava fazendo. Eu estava prestes a entrar para o mercado de trabalho, e eu comecei a pensar que não era aquilo que eu queria. Sempre deu muito certo e, embora eu tivesse feito o curso e trabalhado em laboratório como bolsista, não era o que queria”, relata.
A crise existencial foi o ponto de partida da corrida em busca do sonho, que apenas ficou guardado em um cantinho da mente, esperando para se tornar realidade. Graciete tomou a decisão que a fez chegar até o ponto de hoje: empreender na costura.
Filha de costureira, costureira é!

Em 2014, Graciete teve a ideia de abrir um ateliê de roupas masculinas e femininas confeccionadas exclusivamente com tecido afro, utilizando um tipo de modelagem que fosse brasileiro. Ela chamou a mãe, Maria José, e uma amiga para abrirem o ateliê juntas.
A sociedade com a amiga não durou muito tempo, mas mãe e filha permaneceram no negócio, que começou a deslanchar, logo depois da primeira feira em que elas participaram, organizada pela Unicamp. Posteriormente, as duas começaram a ser presença garantida nas feiras de Campinas. Nesse período, Graciete diversificou seus produtos, passando a confeccionar peças com retalhos de tecidos que sobravam nas indústrias.
Até essa época, Graciete não dominava a modelagem. E foi a partir da participação em uma dessas feiras que ela mudou essa situação. “Uma cliente me disse que eu costurava muito bem, mas que eu precisava aprender modelagem. Na hora eu senti que foi uma crítica, mas uma crítica construtiva”, relembra.
A moça que fez o comentário era professora de modelagem - especificamente, do Corte Centesimal - e se propôs a dar aulas para Graciete. As duas trocaram os telefones e se tornaram amigas.
Corte Centesimal

O processo de aprendizado foi rápido: bastaram apenas três meses para que Graciete se formasse. “Para mim, foi fácil [aprender o Centesimal], eu peguei rápido. Aí quando eu comecei a fazer umas perguntas mais complicadas, a Zina falou: agora você já pode seguir né?”
As habilidades de modelagem aprimoraram as peças feitas pela costureira, que aumentou a cartela de clientes. Com as clientes, vieram também os pedidos para que ela ensinasse a técnica. Foi na sala de casa mesmo que Graciete começou a ensinar às amigas e clientes o método do Corte Centesimal.
As aulas ficaram tão populares que não cabiam mais alunas na casa de Graciete. Com essa popularidade, veio a oportunidade para dar aula em um instituto filantrópico de Campinas, em um curso voltado para mulheres em situação de vulnerabilidade social. A proposta do curso era ensinar os princípios da costura junto às bases de modelagem, de acordo com o Corte Centesimal.
O curso foi a ponte entre Graciete e Carolina Melo Franco, bisneta dos criadores do Corte Centesimal, que apoiou o projeto e convidou Graciete para se tornar uma instrutora credenciada do método.
No início de 2019, Graciete alugou um espaço para funcionar como ateliê e sala de aula. As aulas no projeto social e o ateliê estavam indo muito bem, até que a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, parando as atividades de ambos. “Como a minha principal fonte de renda eram as aulas, rapidamente eu tive que fazer algo para me manter e manter o aluguel do ateliê. Então, bem no início da pandemia, eu comecei a fazer máscaras para vender. Por disso, não tive nenhum problema financeiro nos meses de pandemia”, conta.
Estudos e experiências
No fim de 2020, a costureira resolveu usar uma reserva financeira para se dedicar a novos estudos na área. Ela iniciou curso de outra técnica de modelagem e está pesquisando modelagem para corpos maiores, por conta própria. “Até então, eu já tinha algumas clientes com corpos do tamanho 56 para cima e elas sempre me contavam das dificuldades de encontrar roupas [que servissem nelas] e peças que expressassem melhor a identidade [delas]”, relata Graciete.
A partir da convivência com clientes cujos corpos são desconsiderados pelo padrão, Graciete começou a se questionar sobre o assunto e decidiu estudar anatomia humana. Com as anotações das medidas das clientes, criou uma tabela de numerações que chega até o tamanho 60.
No fim de 2020, Carolina Melo Franco apresentou Graciete para Luiza Tamashiro, fundadora do RELab Criativo. Após entrar para o grupo do RELab, Graciete conheceu muitos profissionais de diferentes segmentos da moda, de diferentes partes do Brasil, que pensam e praticam a moda plural. Essa experiência foi fundamental para aproximar Graciete da moda plural.
Nas reuniões desse grupo, ela conheceu uma moça de Campinas que tem nanismo, para quem ensinou o Corte Centesimal. “Eu ensinei o Centesimal para ela, mas como o corpo com nanismo tem proporções completamente diferentes, algumas adaptações tiveram que ser feitas [no procedimento da modelagem]. Isso foi me chamando a atenção: que tipo de adaptações a gente faz para atender um corpo diferente do padrão?”
Corte Centesimal adaptado

Pensando em aprimorar as técnicas do Corte Centesimal para simplificar a confecção de peças para corpos fora do padrão, como o de pessoas muito gordas ou pessoas com determinados tipos de deficiência, Graciete decidiu desenvolver uma pesquisa que resulte em uma versão adaptada do método. “Eu conversei com a Carol [e falei] que era importante que dentro do Centesimal tivessem adaptações para os corpos que fogem ao padrão”, explica.
Assim, a modelista apresentou para a herdeira do Corte Centesimal, Carolina, as peças feitas para outros corpos, usando a técnica com adaptações. O importante trabalho de Graciete, conseguiu autorização de Carolina para desenvolvimento de um curso e material exclusivo que ensine o Corte Centesimal, mas com a modelagem específica para corpos grandes.
Em 2021, o projeto ainda se encontra em fase de pré-planejamento e pré-pesquisa. Depois da pesquisa, serão planejados o material e o curso. Apesar de o projeto ainda estar nas fases iniciais, Graciete conta que está ansiosa para disponibilizá-lo no mundo. “Essa semana eu vou para o ateliê onde vou dar aula e fazer um grupo de estudos com uma colega que foi minha aluna. Então, nos sábados à tarde terei esse tempo de estudo e estou bem animada”, conta Graciete.
Kommentare